A questão Social Indígena no Brasil, traz consigo um debate de reflexão sobre os desafios da invisibilidade da questão social no âmbito da profissão do Serviço Social no Brasil. O Serviço Social brasileiro apresenta avanços na construção de um ético político profissional pautada na defesa das classes historicamente subalternizadas, bem como no empenho pela eliminação de todas formas de opressão, exploração e preconceito. Tal projeto profissional tornou-se constitutivo em dimensões teórico-metodológicas, ético-políticas e técnico-operativas fundamentais para a compreensão das expressões da “questão social” (NETTO, 2011).
O que denominamos nesse texto como questão indígena se revela intimamente articulado e dimensionado à questão étnico-racial, tendo em vista estarem conectados à ofensivas colonialistas e capitalistas semelhantes. A expressão “étnico” da questão étnico-racial revela as atrocidades, etnocídios e desumanidades cometidas pelo modo de produção capitalista em seu processo de expansão e consolidação, impactando povos indígenas inteiros e, portanto, assim como as populações africanas afetadas pela diáspora e pela escravidão colonialista. Assim como a primeira, a questão indígena também encontra-se profundamente vinculada à questão social.
Desta forma, a questão indígena, componente explícita da questão étnico-racial, além de, per si, denunciar os processos etnocidas marcados pelas violências, epidemias, escravidão, mortes, torturas, omissões, invisibilidades, preconceitos e expropriação territorial vivenciados pelos povos indígenas há mais de 520 anos de contato (historicamente conectado aos processos de escravidão negra no país), revela ainda as diferentes estratégias de luta e de resistência destas populações (PACHECO DE OLIVEIRA; FREIRE, 2006; LUCIANO, 2006).
Tais memórias, lutas e resistências históricas se manifestam pela presença e intensa atuação dos movimentos e organizações indígenas no Brasil e na América Latina, tendo avançado, sobremaneira, desde a década de 1970, alcançando conquistas constitucionais importantes, ainda que muitas delas ainda não efetivadas. Tais resistências históricas se evidenciam, ainda e teimosamente, no campo da produção do conhecimento em distintas áreas e em diferentes categorias profissionais, sendo o Serviço Social um espaço potencial e profícuo nessa temática, haja vista sua configuração ético-política.
Essa produção científica e acadêmica tem se apresentado num contexto recente não somente pela autoria de pesquisadores não indígenas, mas, fundamentalmente, por intelectuais e pesquisadores indígenas de distintos pertencimentos étnicos. É nessa perspectiva que a inclusão da temática indígena no Serviço Social brasileiro se apresenta – profunda e historicamente associada aos processos originais de exploração, espoliação e etnocídio colonial presentes desde os primeiros contatos entre os povos originários habitantes desse território com os arautos da expansão constitutiva do modo de produção capitalista, do século XVI até a contemporaneidade.
A questão indígena constitutiva à questão social brasileira A questão indígena brasileira se apresenta em diferentes contextos históricos - Período Colonial, sempre mediadas pela expropriação, usurpação e agropecuária. Destaca-se ainda, no Período Colonial, a existência da escravidão indígena, que caracterizou a caça e o aprisionamento de milhares de pessoas indígenas e seu envio para o trabalho escravo em fazendas. Constitui-se, desta forma, a genérica, simbólica e perversa expressão do “índio brasileiro”, representado pelas manifestações artísticas europeias e pela nascente literatura brasileira.
Os povos indígenas no Brasil, comum e vulgarmente chamados de “índios”, são historicamente marcados por estereótipos, percebidos ora como “um ser sem civilização, sem cultura, incapaz, selvagem, preguiçoso, traiçoeiro, etc.”, ora como “um ser romântico, protetor das florestas, símbolo da pureza, quase um ser como o das lendas e dos romances” Os povos indígenas na atualidade estão submetidos a precárias condições de vida, tendo como principal causa a não demarcação de seus territórios e a omissão do Estado brasileiro em garantir infraestrutura e políticas sociais necessárias diante da ofensiva do agronegócio.
A Constituição Federal de 1988 preconiza, em seus artigos 231 e 232, o direito às especificidades culturais indígenas, tais direitos vêm se construindo como bandeiras de lutas diversas organização e movimento indígenas no Brasil, como por exemplo a ATL (acampamento Terra Livre) que hoje se completa 20 anos de lutas pelos direitos constitucionais como a Educação indígena e Saúde Indígena. Os direitos sociais estão, portanto, em uma arena de constante disputa, enfrentando dilemas para sua efetivação enquanto conquista social.
No que tange à questão étnico-racial, nela contida a questão indígena, e ao currículo para os cursos de Serviço Social, entendemos que o debate étnico-racial se constitui como um elemento estruturante das relações sociais, sendo imprescindível que as propostas curriculares das unidades de ensino de Serviço Social incorporem conteúdos afeitos a esta temática de maneira transversal, buscando superar a secundarização e a invisibilidade deste debate na formação e na atuação profissional. O objetivo era subsidiar a inclusão e o fortalecimento do debate da questão étnico-racial, buscando contribuir para uma formação em Serviço Social antirracista a partir do desenvolvimento de atividades de ensino, pesquisa e extensão.
Neste sentido, apontamos a necessidade de maior reconhecimento e aprofundamento da questão indígena pelo Serviço Social, evidenciando e fortalecendo o compromisso ético-político da categoria profissional junto às classes historicamente subalternizadas, e assim marcar o reconhecimento dos assistentes sociais indígenas na profissão.